Uma Absolvição pela Solidão (Doom 64)

ANTES DE DOOM 3, A MIDWAY JÁ VINHA APOSTANDO NO GÊNERO TERROR NA SÉRIE.


                Quando Doom 64 começou a ser desenvolvido em 1994, a Nintendo ainda carregava o cetro e a coroa da indústria dos games. Isso significava que ela poderia continuar usando o seu poder para influenciar as desenvolvedoras a produzir coisas do jeito que ela quisesse. Então, logo que a Midway apareceu com a ideia de desenvolver uma versão do clássico Doom para o novo sistema da empresa, que ainda era conhecido na época como Project Reality, a Nintendo logo se prontificou a falar: “Não! Só se a minha versão for diferente e melhor.” Desse ponto começou o desenvolvimento do projeto Doom Absolution, a versão de Nintendo 64 de um dos maiores expoentes do gênero Tiro em Primeira Pessoa. Era a mesma velha estrutura de jogo, só que assumindo uma nova roupagem de gênero.

O peso de redimir a humanidade, nos ombros de uma pessoa.
                A sina pelo poder do homem finalmente fez o seu papel de acabar com a humanidade, e um fuzileiro é obrigado a enfrentar o fim dos tempos sozinho. Existem poucos resquícios de outros, apenas corpos e pedaços de pessoas que tentaram lutar contra tudo isso, e conforme você sobrevive, com menos restos humanos o seu caminho cruza, mostrando o quão longe de tudo e todos você está. As únicas coisas que se mexem são gigantescas estruturas mecânicas, que um dia foram ferramentas humanas, e agora, são armadilhas demoníacas. E claro que você encontra, também, demônios. Exemplos das mais puras e grotescas representações cristã do mal. Baphomets a escravos da escuridão, todos insanos pelo sangue do último ser humano vivo, você. Então a única coisa que é sua amiga aqui é a solidão. Quando sozinho você se sente seguro, qualquer movimento ou som externo te aflige a ponto de você atirar sem mesmo saber o que é. E entregue a esse mundo sem vida, você tenta salvar a humanidade do seu fim apenas lutando pela sua própria vida.

Esse é um resumo bem brega da atmosfera geral do jogo. É importante ter esses conceitos narrativos em mente, pois, por mais clichês e batidos que pareçam, eles são muito bem adaptados para a experiência do jogo.
Só existe você, demônios e restos  humanos.
                Uma das diferenças mais impactantes entre a ideia original de Doom que saiu para PC em 1993, para a versão feita para o Nintendo 64, é a sua direção sonora. A trilha composta por Aubrey Hodges, que deu a luz (ou “as trevas” nesse caso) a uma trilha sonora muito diferente das guitarras e baterias frenéticas e intensas da versão matriz do jogo. No lugar do Heavy Metal farofa que te impulsionava a fazer as coisas o mais rápido possível, vem uma trilha branca que traz espaço para a contemplação e instiga a uma exploração muito mais calma e paciente. Música que se baseia em sons de estruturas, ruídos repentinos e ambiências reverberadas, sempre carregada com um grave constante, que acentua bastante o peso da sua exploração. A trilha não se baseia em ritmo ou melodia, ela é construída com inconstância nos elementos sonoros, sempre com pequenas surpresas para te deixar incomodado com sonoridade do ambiente e também se relacionando muito bem com um elemento de level design que é usado em larga escala nessa versão do jogo, mudanças repentinas de ambiente.
                As exigências da Nintendo em ter uma versão diferente do jogo fizeram com que a Midway não trabalhasse apenas na sonorização do jogo. É importante dizer, que ela já tinha refeito a trilha sonora para as versões do Playstation de Doom com os mesmo conceitos artísticos, mas os jogos para o console da Sony continuavam basicamente os mesmos. O que torna interessante a versão do 64 não é só os 32 mapas exclusivos, mas sim que, todos esses 32 mapas foram exclusivamente pensados para a física de jogo que só era possível na nova engine desenvolvida visando o console da Nintendo. Então como a Midway já tinha todo um novo estilo de trilha sonora pronto, ela aproveitou a oportunidade para trabalhar em um level design e uma direção artística que combinasse mais com aqueles conceitos sonoros do que as estruturas originais de Doom. Então toda a palheta de cores foi modificada, monstros coloridos e cenários espalhafatosos foram trocados por demônios obscuros e cenários com contrastes mais intensos. Todos os traços ficaram mais nervosos, não havia mais nenhum monstro com uma aparência tão amigável. Para os desenhos de fases, aproveitaram a possibilidade de um pensado pra renderização 3D do Nintendo 64 e estruturaram a principal característica de diferencia esse jogo, dramáticas e instantâneas mudanças de cenários. Nessa versão do jogo, apertar um botão pode significar mudar o desenho do local inteiro. Logo, o jogo utiliza da constante insegurança do jogador (já que nenhuma parede é segura), para criar uma tensão que a versão original não tinha, porque pegar qualquer item parece uma ameaça. Os novos mapas carregam uma verossimilhança muito maior que o jogo original. Os locais parecem coisas passiveis de existirem naquela realidade, estações espaciais com utilidades reconhecíveis, grandes templos, altares de culto, palácios, bibliotecas, cavernas, etc. E por mais que a Nintendo incentivasse jogos feito para todas as idades, a Midway não pareceu ligar para o selo de Mature que o jogo recebeu, e vale citar que coisas que eram comumente retirada em jogos com o selo de qualidade Nintendo permaneceram nessa versão, como referências simbológicas ocultistas, pentagramas, cruzes invertidas, imagens de demônios estão distribuídas em grandes quantidades e vão aumentando conforme você chega em partes mais avançadas do jogo.
Traços mais sérios e sombrios, cheio de símbolos ocultistas.
                No final, a sensação de você estar jogando algo completamente novo é genuína, mesmo que você já tenha passado horas em outras versões de Doom. A nova direção artística e os novos estilos de mapa trazem novos ares em um nível suficiente para revigorar a série. E mesmo que alguns conteúdos não tenham sido adicionados na versão final do jogo por falta de espaço no cartucho (Problema recorrente no64), Doom 64 tem o gosto de uma refeição introspectiva, com toques de brutalidade e bem menos partes bregas e espalhafatosas que eram comum na série, da espaço pra você sentir incomodo, medo e curiosidade.






                              Introdução do jogo.                                                                        Trilha sonora completa, composta por Aubrey Hodges.

Addendum

Engine de conversão do Doom 64 para o PC. (https://doom64ex.wordpress.com/)

Textos dos próprios jogos do Doom, incluindo o 64, sobre a história. (em inglês: http://goo.gl/O8vKMd)

Entrevista por FirebrandX para o Doom Depot com Tim Heydelaar e Randy Estrella, level designers de Doom 64. (em inglês: http://goo.gl/4sRXNN)